terça-feira, 14 de outubro de 2014

07 - ESTA VIDA É UMA BATALHA



No fundo do grande lago descubro, com espanto, uma cidade com ruas estreitas onde treinam guerreiros destemidos e onde se pratica o comércio entre povos de muitas proveniências. As vielas estão iluminadas por estranhos archotes que conseguem brilhar debaixo de água. Numa dessas ruelas apertadas ocorre um concerto magistral com mais de uma dezena de instrumentistas que tocam pequenas flautas de osso de onde nascem acordes harmoniosos.
É tão bonito o fundo deste mar, mas se eu arriscar permanecer por aqui, a morte chegará para me levar. Para lá desta cidade existem densas florestas marinhas que dificultam o meu avançar. Aqui em baixo nada é aquilo que parece! Termina o belo concerto e eu ouço alguns clamores. Talvez pertençam às estátuas de pedra que aqui vim procurar. Vozes lamuriosas substituem a bonita música que já não se escuta.
Não sei o que pisam os meus pés. Credo! Agora entendo! Tenho as pernas cobertas por polvos que as começam a apertar. O fundo do lago está a tornar-se cada vez mais escuro, com depressões e cavernas escavadas em rochas negras, imensas, e muitas grutas que mais não são do que armadilhas. No seu interior consigo vislumbrar cofres que escondem tesouros tão brilhantes quanto enganadores. Volto atrás, regresso à entrada da cidade subterrânea onde aparece uma enorme escadaria que sobe até um templo habitado pelo medo. No interior dessa estranha construção vive a rainha deste reino subaquático que é governado com mão de ferro. Eis a rainha guerreira, mulher negra e invisível. Eis a mulher que se esconde dentro de uma sublime estátua de pedra lisa da cor do ébano. É uma estátua tão bela e tão mentirosa quanto os tesouros que encontrei. A Nereide é graciosa, é esbelta, gosta de seduzir e sentir-se seduzida, e alicia-me com a sua elegância e volúpia. É por esta altura que os meus companheiros de jornada me socorrem e tentam resgatar. Sem essa ajuda eu dificilmente teria resistido aos seus encantos. O número de habitantes da cidade aumentou significativamente ao longo da minha visita tornando agora quase impossível a travessia destas ruas e vielas. Também os guerreiros deste mar parecem interessados em impedir o meu regresso, e lutam com os camaradas que vieram em meu auxílio. As águas escuras do oceano tornam-se claras e cristalinas quando uma estátua de guerreiro de cor vermelha ordena que as minhas memórias me sejam devolvidas, e que delas não se apague nenhum dos momentos que já vivi. Os meus colegas continuam a lutar contra o tempo e as correntes, e já falta pouco para me salvarem. O capitão não pretendia perder muito tempo nesta missão de salvamento, mas a minha vida e a força dos meus braços são bens preciosos demais para o que resta da longa viagem.
Descanso no fundo da enorme escadaria depois de quase ter cedido à tentação da belíssima Nereide, rainha deste mar. Descanso no fundo da enorme escadaria e acordo, a tossir de dor, a cuspir, a vomitar litros de água salgada no chão do imenso convés da nau São Gabriel.
Esta vida é uma batalha, é a minha eterna disputa, uma existência que só agora começou!

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