São tão azuis estes caminhos que seguimos. Desejo
conhecê-los melhor, mesmo sabendo que escondem perigos desmedidos de dificílima
perceção. Entretenho-me a imaginar todo o tipo de peripécias que teremos de
enfrentar, e delas arrecado, sem cautelas, as mais fantásticas imagens que
depois uso para conseguir ultrapassar a monotonia dos meus dias. Este mar
imenso que se avizinha é um gigante sensível e familiar em quem posso confiar.
Comunico com ele através de palavras simples e pensamentos singelos, ele
responde-me através de estranhas palavras sopradas por brisas sorridentes que
nunca se repetem. Inventa orações peculiares que reserva apenas para as nossas
conversas e seduz-me com a beleza natural dessas mensagens. As grandes velas da
nau estão refletidas nas águas cristalinas do grande lago. Hoje apresenta-se
tranquilo e harmonioso. Dias assim amenizam a saudade e todos os receios dos
homens. De nada vale tentar lutar contra as forças deste companheiro de viagem.
Tem como aliadas a solidão, as marés, as ondas, os ventos e as tempestades que
por estas paragens sopram atiçadas. Prefiro ver nele um gigante que me alegra,
tal como acontece quando o dia nasce. Sinto que ele me vê e respeita, sei que
ele me vê e respeita. Não gosto quando o mar se apresenta tão calmo ao ponto de
entorpecer as ondas e os ânimos. Tanta dolência inquieta-me, impede o meu
raciocínio. Sou marinheiro de tormentas, com elas desperto, no meio delas tudo
ganha novas cores. Este é o gigante que me transformou, e eu transformei-me a
observar o gigante. As águas do grande lago moldaram-me os desejos, é aqui que
me reconheço. Somos tão pequenos nas costas do colosso, pequenos com fé de
gigantes. Quem sabe se esta empreitada não será para sempre recordada.
Habitamos pequenas naus feitas de sonhos, largadas aos ventos, sopradas pela
vontade de deuses a quem agradecemos boas marés, melhores brisas e correntes
amistosas.
A morte gosta de nos visitar nestes dias tormentosos
quando faltam tantos meses e tanto mar para navegar. Vislumbro nas águas do
lago que não se enternece as palavras exatas que me permitem continuar a
acreditar. O oceano transformou-me, fui capaz de o entender e agora confio,
mais do que nunca, que esta será uma viagem de verdadeiros descobrimentos. Observo
o lago imenso que permanece há três dias silencioso e agora me convida a
entrar. Que segredos esconderá este gigante azul? Se os conseguir interpretar,
quem sabe se as muitas estátuas que nele se escondem não sairão do seu profundo
estado de dormência para nos vir conhecer. O mar volta a chamar-me, e cheira
tão bem. Inebria-me tanta tranquilidade. Os companheiros descansam, abandonaram
os corpos por tudo o que é navio. Transformaram esta nau de velas murchas num
cargueiro fantasma sem vento que o empurre. Imagino como seria se conseguíssemos
fazer mergulhar o barco. Com tal proeza seria bem mais fácil ir ao encontro dos
lugares secretos das cidadelas aquáticas onde habitam as estátuas. O mar chama
por mim, de novo, e reconheço-lhe todos os odores.
Álvaro atira-se à água do lago. Sente que, naquele
instante, é a escolha mais acertada. O ato não carece de nenhuma explicação, e
ele faz a vontade ao mar. Álvaro lança-se ao oceano no último dia de acalmia,
porque a vida de marinheiro é mesmo assim, nada acontece conforme planeado. O
amigo recebe-o com alegria, de braços abertos e salgados, em pequenas ondas de
espuma branca que começam a cantar. A nau afasta-se, foge para longe,
misteriosamente, soprada por um vento ligeiro que regressou para a embalar. Os
companheiros, que entretanto acordaram, descobrem-no e logo gritam de aflição:
- HOMEM AO MAR, HOMEM AO MAR…Capitão, meu capitão,
um marinheiro saltou do convés, mas de maneira alguma foi acidente! Eu vi, eu
vi tudo! Só um acometimento de loucura terá forçado o imbecil a cometer tal
façanha em alto mar.
Álvaro nunca tinha sentido assim, com tanta
intensidade, aquela admirável forma de cansaço. Resoluto, subiu com destreza à
amurada, resolveu seguir o conselho do velho amigo, e mergulhou.
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