sábado, 31 de janeiro de 2015

36 - RENASCER


A irmã chamava-o de louco, um louco sonhador que só queria ser aquilo que não podia. Quem é que ele julgava que era?
Um dia Adelaide deu por ela encostada a uma rocha fria à espera do irmão. Tinha-se esquecido dos rostos dos pais e quase esquecera os dos irmãos mais velhos que o mar também levou. Tinha-se esquecido da infância, desses dias vividos lá tão longe, tinha-se esquecido…
- Não sei onde se terá metido, nem sei se regressará. Mas que raio terá o estúpido do meu irmão Álvaro metido na cabeça para desaparecer assim desta maneira, e por tantos dias?
Ficar sozinho entregue aos seus pensamentos, foi isso que ele aprendeu a fazer, e como gostava de o fazer. Munido de quase nada, um simples cajado e uma navalha velha bem afiada, eram toda a companhia de que necessitava. Álvaro estava habituado a passar dias em jejum, e sabia o que fazer para matar a fome. Era capaz de ser tão animal, tão selvagem como muitas das espécies que habitavam a floresta e os montes por onde passeava.
- Quando chegares, se chegares, vais só ver o que te vou fazer, meu irmão! Tenho dúvidas acerca do teu perfeito juízo, pois se até foste capaz de dançar na sala de madrugada, e eu fiquei tão assustada que nem te fui capaz de interromper. E agora isto! Não sei onde a tua loucura teve início, sei lá se a culpa é da lua ou do oceano que nos levou o pai e os irmãos. E se falo da lua é só porque a detesto, ai como a odeio! Essa desgraçada consegue avistar todas as naus que se fizeram ao mar, desde lá do alto. Ela pode ver, mas nós, aqui em baixo, não conseguimos discernir nenhuma embarcação. Gostava de ser alta como a lua para conseguir ver-te, saber onde estás e o que fazes. A vida assim não o quis, e agora estou para aqui sozinha com as minhas reflexões, os meus silêncios e quietudes, nesta casa velha que nos viu nascer. Aqui sou tão triste, mesmo quando sonho. Não pude ser nada do que queria e nem me recordo desse passado em que ainda podia desejar.
Adelaide não conseguia compreender esta súbita paixão de Álvaro. Para quê passar dias inteiros perdido nos montes e vales, logo ele que só falava do mar e de como o amava. O oceano era o mais feliz de todos os gigantes, e assim que ele lá conseguisse morar, também conseguiria ser feliz. A irmã ficava preocupada, e custava-lhe escutar estas palavras ao Álvaro, custava-lhe tanto. Eram as mesmas palavras que o pai e os irmãos sempre disseram, e agora mais não são que meras sombras e recordações.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

35 - CANTAR A MESMA CANÇÃO




O marinheiro deixou de escutar.
Quem será esta jovem a quem ele estende a mão?
Alcança-a. Segura-a. Puxa-a daquele lugar onde se afundara.
Estaria ela preparada para o deixar?
A jovem quase se deixou adormecer e agora luta, ajuda-o a fazer de conta que tudo não passa de um longo pesadelo que os dois vão experimentado. Acredita, tal como ele, que a viagem não acontece num sonho e está muito longe de terminar.
A esfera ilumina-se e acaba por se imobilizar.
A rapariga que não é estátua queda-se, silenciosa, junto ao marinheiro salvador.
- Vês, marinheiro, preferi ficar do teu lado. Ergueste-me. Estas estátuas ainda não sabem quem foram, mas gostam de te observar. Eu também gosto de te observar neste grande quarto circular idêntico ao interior de um castelo muito antigo. Pela única abertura que aqui existe podemos observar aqueles montes distantes separados por uma imensidão de mar. Está escuro lá fora. Escutei a tua voz a tremer quando me chamaste. Repara como está escuro lá fora mas o horizonte perto dos montes não é tão sombrio. Vê como o monte da direita ficou mais iluminado do que o outro.
É noite e quase se pode escutar o tempo.
A rapariga tem razão. A ténue luz da lua entretém-se a clarear o monte mais à direita com uma delicada luz cor de pérola. Álvaro compreende que um novo dia nascerá nesta paisagem conhecida. É bela, quase tão bela como as vistas deslumbrantes que descobriu ao calcorrear as serras beirãs nos seus longos passeios. Ele sabe, pois já vagueou por aqui, e fica sem palavras. Não deseja esquecer-se de nada do que lhe está a acontecer. Estas paisagens não aparecem em sonhos de marinheiros que não sabem ou não se atrevem a mergulhar.
O fundo do lago não é tão acidentado.
As duas montanhas assemelham-se a duas ilhas perdidas no meio do mar, uma bem mais iluminada do que a outra.
Álvaro recorda, sabe que foi ali que viu, pela primeira vez, o fundo deste lago. Da pequena janela do veículo consegue ver todo o oceano e aquelas duas grandes ilhas a cunhar o horizonte.
- O que foi, marinheiro, porque não falas? Resolveste ficar misterioso de um momento para o outro? O que vês lá fora é-te familiar, caso contrário não terias ficado assim tão alterado.
Álvaro vibra de satisfação.
- Não sei. Ainda não tenho a certeza absoluta pois estamos muito afastados. Quando nos aproximarmos logo te direi. Sei apenas que fui feliz a caminhar pelas serras onde vivia antes de decidir amar o mar. Este azul infinito que nunca se cansa de nos deslumbrar. O mar e as serras sempre me contaram muitas histórias… eu não sei contar contos nenhuns, mas não faz mal. Agora sei que é ali que pode estar escondida a cidade que descobri quando mergulhei nas águas deste lago. O passado não pode ter sido um sonho se neste presente vejo aquilo que vejo e sei que foi ali que estive nessa primeira vez. É nestes momentos que recordo a minha irmã Adelaide, é um costume que habita a minha vida. Ela deve estar a pensar em mim e a chamar-me louco, como é seu hábito.
A jovem recuperou o calor por completo e já não tem metade do seu corpo feito de pedra.
- As tuas palavras fizeram-me recordar quem fui. Talvez seja por serem tão verdadeiras. Lembro-me de nascer e viver perto do mar. Sempre que vejo uma onda fico feliz, tão feliz como estou agora por ter conseguido, de novo, caminhar. Olha, é impossível não teres dado conta da minha felicidade, marinheiro. Eu consigo andar! Era algo que não fazia desde há muito tempo! Já nem sabia como era bela esta sensação de caminhar. Estive anos perdida, abandonada entre rochedos numa orla fria e salgada do oceano, num lugar sem florestas, sem árvores, onde só com muita imaginação conseguia criar objetos capazes de projetarem sombras no leito do lago. Era isso que eu tentava fazer todos os dias para me entreter e parar de chorar. Vivia desalentada, uma estátua depositada nos rochedos, longe de tudo. Pensava em árvores, imaginava-as altas, bem altas e vigorosas, árvores que podiam viver séculos a fio e eram capazes de projetar sombras imensas e poderosas e me ajudavam a sentir menos só.
Álvaro arrepende-se de não ter dado conta da felicidade da rapariga. Custa saber quando alguém não repara em nós.
- Desculpa! Tens razão, nem sei o que dizer. Peço perdão por não ter reparado na tua felicidade. Eu estou feliz por ti. É difícil imaginar tudo aquilo por que passaste, imaginar todos esses anos em que estiveste imobilizada no mesmo lugar. Só tu podes saber qual a verdadeira dimensão dessa alegria imensa que é conseguires de novo caminhar. Se eu soubesse cantar, dedicar-te-ia uma canção.
A jovem faz-lhe o sinal do silêncio, cola o indicador da mão direita aos lábios do viajante e agradece-lhe com um beijo longo e salgado, porque a vida assim o quis.
- Schiuu… em breve será dia e tu viajarás até ao monte iluminado onde a tua cidade te aguarda. A vida assim o quer. Só preciso de um nome, ó nobre marinheiro sonhador.
Nem sempre é tarde para cantar. Álvaro não sabe cantar outras cantigas para além das velhas e gastas canções de marinheiros.
Ao primeiro longo beijo salgado outros se seguem, mais quentes e ousados. Aquela que foi feita de pedra, que viveu esquecida a imaginar coisas e as sombras que as coisas faziam, canta agora melhor do que ninguém. É melhor cantar, para quê falar se cantar é melhor que falar, e o seu corpo doce e nobre deixa de ter receio e canta e aquece e consola. Os dois celebram os seus corpos cansados, chegaram aqui vindos do passado, agora é presente.
Nunca é tarde para cantar.
- Schiuu… em breve chegará o novo dia… guardemos silêncio… a vida diz que nem sempre é tarde para cantar.


quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

34 - QUEM SOMOS, ONDE VAMOS?

 
Aqui se guardam os segredos de cada uma das estátuas que compõe a enorme esfera. Os seus olhos de pedra reparam num vale e em dois montes que lá fora aguardam pelo marinheiro, e a paisagem ilumina-se como num sonho.
Álvaro ansiava por este dia. Alguém lhe contou, quando era muito jovem, que cidades maravilhosas tinham sido construídas no fundo de um grande lago. Só podia ter sido alguém que o sabia, alguém que por aqui também tenha passeado. Ou talvez não. Talvez esse contador de histórias o tenha seduzido com uma simples lenda e não fizesse ideia nenhuma do que, na realidade, acontece aqui em baixo.
Um caminho iluminado e inexplorado estende-se desde o globo até aos montes distantes. Para o marinheiro, tudo devia ter terminado, mas ali se encontra uma paisagem que não foi criada pelo mundo que tudo molda.
- Estavas quase a desistir. Eu gosto de conversar contigo, as nossas conversas fazem-me acreditar que ainda somos. Se voltasses a ser estátua, quem conversaria comigo? Agora espero não demorar tanto tempo a ali chegar. Dá-me a tua mão, sozinho não serei capaz de te ajudar. Falta pouco para te alcançar, anda, ajuda-me a fazer desaparecer este intervalo que ainda nos separa.
A jovem deixou de estar ajustada à forma esférica do planeta. Ainda lhe pesam as pálpebras mas o seu corpo morno já se descolou da restantes estátuas de pedra fria.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

33 - LUTA


Talvez nada disto seja verdade.
Álvaro faz tudo o que pode para tentar resgatar a rapariga que se está a transformar em estátua.
- Não desistas, não desistas assim tão facilmente. Diz-me que não foi para isto que chegaste até aqui… não, não digas nada, LUTA, não me abandones, fala comigo, não deixes de lutar. Sinto que começaste, de novo, a esquecer e eu devo gritar bem alto para que me escutes.
O marinheiro grita e consegue despertar a jovem daquele torpor.
- Sinto-me tão estranha! Por momentos deixei de saber em que parte de mim estavam guardados os sentimentos e os sentidos. Não sei se falo ou não falo. Esta esfera que finge obedecer-te ainda me mantém refém. Tenho a língua presa, pesam-me as pálpebras, a boca está seca e os lábios ficam ainda mais colados de cada vez que te aproximas de mim. Sou eu que falo? Não sei se falo ou não falo, tu não respondes. Estás apavorado com um olhar de quem receia não ser capaz de recordar o tempo das nossas conversas.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

32 - SOMOS ESTÁTUAS DE CARNE E OSSO




Água, conchas, areia e mais algumas estrelas do mar escorrem pelo interior das paredes húmidas do globo. Acompanharam a jovem quando a esfera resolveu obedecer ao apelo do marinheiro. As estrelas do mar gostam de vir até aqui para crescer. Buscam alimento no interior deste objeto gigantesco.
A esfera descreve uma curva apertada à direita e desenha um arco pronunciado ao contornar mais uma colina rochosa. Contorce-se e derrapa, na mesma direção, de maneira quase descontrolada.
- AI! Quem me dera não te ter visto a desandar assim a esta velocidade estonteante. Se tivesses corrido a esta velocidade quando o tubarão me atacou, talvez o animal não tivesse conseguido provar as minhas carnes.
A jovem fica surpreendida com o tom do desabafo de Álvaro, e procura acalmá-lo:
- Deita-te, marinheiro, ainda estás fraco para te levantares. Aqui dentro é mais complicado mantermos o equilíbrio enquanto a esfera vai rolando. Ainda estamos longe dessa cidade que pretendes visitar. Se preferires, podes sentar-te, mas descansa, por favor. O mais importante é estarmos a salvo dos animais mais perigosos que lá fora varrem o fundo do mar.
A menina está imóvel quando começa a sentir uma brisa gelada levantar-se por cima dela e um redemoinho a puxá-la para baixo.
Uma aflição na garganta impede-a de gritar, e ela cai, cai, e cai, arrastada pelas águas que entraram do fundo da esfera que rodopia. A jovem jura ver algumas cabeças de pedra a mirá-la, invejosas, pois ela deixou de ser estátua como elas. A esfera é composta por estátuas, esta casa redonda onde se abrigam é uma escultura ajeitada com corpos feitos de pedra e forrados a coral. Por um breve instante o corpo da rapariga ganha de volta o seu peso em pedra e prepara-se para se fundir com as outras estátuas que ajudam o marinheiro a enfrentar e viajar pelas profundezas do oceano. Álvaro sente as estrelas do mar que lhe impedem a fluidez dos movimentos da perna e só a muito custo consegue enfrentar os movimentos mais bruscos da esfera. A bola prepara-se para lhe roubar a companhia. A jovem está agora mais próxima do teto do que do chão do grande globo pois ela vai acompanhando os movimentos giratórios desta esfera que a convoca.
O marinheiro está fraco mas sabe que tem de intervir. Torce-se e contorce-se, geme enquanto agita os braços no ar para a tentar alcançar. Metade do corpo da jovem voltou a transformar-se na mesma pedra em que fora esculpida.
- Acorda, reage, não te deixes transformar! – grita-lhe Álvaro enquanto a tenta agarrar. – Pensa no tempo que passaste transformada em pedra, pensa que és de carne e osso, pensa depressa para travares essa transformação! Pensa, pensa agora antes que as coisas voltem a ser como eram antes.
A rapariga tenta mas não consegue reagir. Não consegue. Tenta, mas já mal consegue escutar as palavras do amigo marinheiro.

sábado, 24 de janeiro de 2015

31 - DENTRO E FORA


- Sinto-me estranho. É como se uma parte de mim não tivesse adormecido e ficasse a ver. Quem será esta que ali fora dança? Já me lembro, pois claro, esta é a jovem que eu resgatei. Deve ter adquirido a forma humana para me contar a sua história. Ainda estou ensonado e custa-me raciocinar, mas só pode ser ela. Preciso ajudá-la a entrar para que não passe pelo mesmo horror que eu passei quando o animal quase me arrancou a perna. Ah, … a esfera está a encher-se de água, … é agora. Três estátuas afastam-se e a rapariga vai poder entrar. Mas porque não entra? Não, não acredito… ela não viu as estátuas que se afastaram para a deixar entrar.
Álvaro olha pelo vidro do globo e o silêncio começa, de novo, a tomar conta do interior da esfera imensa.
- Entre nós aumentaram os abismos, bela rapariga. Eu devia ter ido aí fora para te buscar, mas não o consegui. Por alguma razão olhaste para o lado e não viste a entrada que se abriu. O mar gosta de te ver dançar e quer-te só para ele, não te parece? Talvez deseje que as ondas aprendam a dançar como tu… mas que digo eu? Repito disparates como se seguisse a voz do meu pensamento, uma voz que na realidade mal consigo escutar, mas que me segreda. São as ondas da minha alma, são elas que me embalam… e eu que só queria conseguir andar.
Do lado de fora da bola negra a jovem tenta a sua sorte, sem sucesso. A entrada de há pouco estava numa zona de sombras e ela não a conseguiu detetar. O marinheiro tem a garganta e a boca cada vez mais secas. Quanto tempo passará até que uma nova abertura possa acontecer? Existem mais zonas de sombras do que iluminadas neste lugar do fundo do lago. A rapariga mantém-se nos lugares onde a luz chega, vai nadando para se manter quente, ela que se esquecera como era sentir um corpo morno e a pele sedosa. Nada feliz mas receosa. Em breve conseguirá alcançar o interior do veículo pois será muito triste se não se conseguir salvar. Foi o mar quem a depositou no fundo deste lago, no cimo de um pequeno rochedo, nesse dia longínquo em que foi transformada em estátua. Passou a sonhar com um marinheiro que a pudesse libertar, um que naufragasse para a salvar, um que conhecesse outra espécie de países e outras espécies de paisagens, e a cada hora que passava ela construía assim um sonho que nunca deixava de sonhar. Teve saudades das estrelas, das árvores, e adormecia só para as recordar, e o coração ainda mais lhe doía. Passou milhões de horas a recordar, e a água que por ela passava murmurava, baixinho, e sentia-se feliz por conseguir imaginar os mesmos horizontes, estrelas e árvores da jovem estátua sonhadora. Ela era verdadeira quando recordava e foi assim que, de repente, surgiu no fundo do mar a grande esfera com o marinheiro às costas. Tinha feito uma longa viagem só para a salvar.
- Às vezes ficamos tristes quando sonhamos… quando não podemos ser aquilo que sonhamos ou quando a espuma das ondas os desfaz. Eu já vi este meu sonho, e vejo uma janela pequena e redonda e espreito, e vejo-te aí dentro, marinheiro. Tu estás bem, estás vivo e olhas para mim.
Álvaro vê a jovem e já não se sente perdido. No fundo do lago não existem palmeiras, e as aves não passam por aqui. Desde que mergulhou deixou de ser capaz de olhar para as estrelas, até agora. A bela jovem sorri e ele grita-lhe sem saber se ela o consegue escutar.
- DEIXA-TE ESTAR! Não saias daí! Em breve a bola reabrir-se-á e tu vais entrar neste abrigo morno. Verás que é isso que vai acontecer, é isso que desejo ver acontecer. Será que é preciso que eu o diga para que esta esfera se volte a abrir? Será que é isso que eu tenho de fazer?
O marinheiro respira fundo e olha uma vez mais para a jovem antes de ensaiar o pedido. Seria tão fácil se isto fosse possível. E se for mesmo possível abrir a grande bola com a força da sua voz?
- ABRE-TE GRANDE ESFERA NEGRA!, Deixa entrar a rapariga que dança lá fora e que corre risco de vida. ABRE-TE, AGORA, deixa-a entrar!
O globo estremece, abranda a marcha e imobiliza-se. Um novo estremecimento e três estátuas afastam-se do corpo do mundo negro junto à pequena claraboia por onde Álvaro vai espreitando. A água inunda o interior da viatura trazendo a rapariga na enxurrada. Um terceiro estremecimento e a porta volta a fechar-se. A água sai devagar, quase sem ruído, é uma melodia que lhes acalenta o espírito. Os dois são agora ouvintes e habitantes deste mundo negro que aprenderam a respeitar e que, de novo, rola a grande velocidade.
- Que diria?! Afinal, bastou um simples pedido e a esfera abriu-se para te deixar entrar. – exclama Álvaro com alegria.
- Talvez só tu conseguisses fazê-lo. Eu fartei-me de lhe pedir e ela não se abriu. Era necessário o timbre da tua voz. Explica a jovem sorridente.
- Ora essa, nada é absolutamente necessário. O que importa é que agora estamos os dois a salvo. Aqui será difícil sermos atacados por tubarões. Seguiremos viagem neste espaço abrigado onde ainda me custa pensar, e já sabemos que este é um planeta capaz de me escutar.
A jovem agradece com um novo sorriso, e replica:
- Talvez isto que nos está a acontecer não seja bem verdade. Repara como se movimenta este mundo, não achas estranho que uma entidade assim possa fazer parte das coisas conhecidas? Seremos nós capazes de explicar um fenómeno como este?
- Não vale a pena pensarmos dessa maneira. Nós não estamos enganados. A vida é mesmo assim esta coisa muito estranha.
Tudo o que acontece no fundo do lago é inacreditável.
- Isto é estranho, muito estranho, tão estranho que só pode mesmo ser verdade.