sexta-feira, 26 de setembro de 2014

05 - QUANDO A MINHA HORA CHEGAR


O mar consegue aquecer-nos enquanto nos aflige e castiga. O céu confunde-se com as águas do lago num clarão de luz intensa que torna ainda mais pequenas as minúsculas cápsulas que navegam neste turbilhão de azul infinito. É muito mais céu que oceano, ou será mais oceano do que céu? As águas profundas escondem estátuas, segredos e até civilizações. No fundo do grande lago devem existir continentes com centenas de cidades que talvez tenham sido construídas em grutas profundas. O mais provável é que estas se encontrem escondidas em gigantescas cavernas subterrâneas criadas para as proteger.
Quando a minha hora chegar, quero morrer depressa mas com plena consciência que a morte chegou para me levar. Gostaria de usufruir de alguns instantes para recordar, sem que tudo se apague num ápice. Se assim não suceder, será como se eu nem sequer tivesse acontecido. O sono eterno tomará conta desta ilha que sou, limpar-lhe-á a memória, e depois transformar-me-á na mais insignificante das estátuas do lago.
O grande oceano provoca-nos enquanto nos aquece os pensamentos. Ideias muito estranhas começam a brotar, umas atrás de outras, alterando os nossos comportamentos, e bem cedo deixamos de ser os mesmos marinheiros que embarcaram. De quem são estes olhos azuis que olham para mim? Não são os teus, pois esses são os que melhor conheço. Talvez sejam os olhos do mar pois são do mesmo tom de azul. Só podem ser os olhos de oceano, apenas ele possui este olhar penetrante que intimida.
*
Álvaro agarrou-se com todas as forças ao flanco do costado da nau, talvez receoso que a sua vida se fosse findar. Os olhos do lago hipnotizaram a tripulação com tanta claridade. Dona morte aprecia estes dias tranquilos para as suas visitas. É uma verdadeira perita a observar os estranhos efeitos causados por olhar tão intenso e tão azul. Foi por isso que decidiu regressar aos navios. Divertiu-se tanto ao ponto de lançar gargalhadas histéricas que rapidamente se propagaram. Foram levadas ao colo pela brisa que entretanto se levantou.
- Sois uns tontos, uns tontos valentes! – exclamava a dama de negro, sem que ninguém a escutasse, somente o vento.
Os tontos valentes escolheram como casa aquelas barcaças feitas de pano e madeira, embaladas pelas marés. Uns tontos valentes que não faziam ideia alguma do que o lago tinha para lhes oferecer.
Meses, passaram meses inteiros a olhar o mar, foram meses inteiros em que aqueles olhos vivos e vibrantes acabaram hipnotizados pelo azul intenso do mar oceano que só os desejava proteger.

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