O mar parece ter-se esquecido destes marinheiros, ocupado
com tantas ondas e marés, terá coisas bem mais importantes com que se
preocupar. Ao fim de uma semana de brisas favoráveis, eis que as ondas começam
a murmurar os seus silêncios aos ventos embrutecidos, ajudando-os a crescer. As
tormentas ganham proporções inimagináveis. A nossa sorte mudou! Estas
tempestades não nos sopram na direção correta, e agora vamos ter de as
enfrentar se desejamos voltar à rota desejada. Alguns já rezam, almejam alcançar
terra que nos possa proteger. O céu está negro, e as ondas agigantam-se até
ficarem do tamanho do medo. Rasgamos caminhos por intervalos impossíveis e
agarramo-nos a qualquer coisa que nos impeça de sermos engolidos pelas águas
ferozes do grande lago. O oceano acordou com uma valente má disposição e transformou-se
neste mostrengo que nos põe à prova. Quer ver de que massa somos construídos.
Ficará a saber que é em combates destes que moldamos o nosso carácter e que
estas são as lutas hercúleas e desiguais que nos fortalecem.
- Vem! De que é que tu estás à espera? Vem,
engole-nos se fores capaz, vem enfrentar estes bravos destemidos. É a nossa
coragem invisível que nos agrupa como se fossemos um só, caso contrário
seríamos facilmente engolidos. Estamos unidos neste desespero, neste propósito
comum. Estamos todos unidos para te derrotar.
Os ousados marinheiros tentam manter as naus à tona
durante horas, durante dias, até que o desânimo se começa a instalar com a
chegada do cansaço. Para o mostrengo, contudo, a batalha só agora começou. E o
que se diverte a dona morte com estes acontecimentos, toda ela é sorrisos.
Passeia-se alegremente por entre os mastros dos navios, diverte-se a observar aquela
azáfama.
- Vem! De que é que estás à espera? Será que só eu
te consigo ver? Gostas de sorrir, quando te encaro, nesse teu ar majestoso e
aterrador.
Por esta altura uma vaga imensa abraça a São Miguel
que logo desaparece. Num ápice, alguns valentes marinheiros são cuspidos e
ficam entregues à sua sorte. É cada um por si, nestes momentos de infortúnio.
Os companheiros gritam e esbracejam, tentam levantar a pouca esperança que lhes
resta e puxam os companheiros pelas cordas que lhes lançaram, pois disso
depende as suas vidas.
- Homens ao mar! Puxem, não desistam, puxem com
todas as forças até que estarem a salvo das ondas ferozes… puxem, caramba,
vamos lá, não desistam…
A morte continua a olhar para mim enquanto gritamos.
Está cada vez mais alegre e sorridente ali sentada no mais alto dos mastros do
navio, coberta de finas rendas negras, calçando sandálias tão gastas que mal
lhe cobrem as ossadas carcomidas pelo tempo. O vento assobia ao passar pelo
esqueleto da figura e o mar salgado penteia-lhe os escassos cabelos
quebradiços.
- Porque nos visitas? Porque nos persegues? O que
desejas de nós? Somos assim tão importantes para ti?
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