segunda-feira, 3 de novembro de 2014

09 - A POUCA ESPERANÇA QUE NOS RESTA

 
O mar parece ter-se esquecido destes marinheiros, ocupado com tantas ondas e marés, terá coisas bem mais importantes com que se preocupar. Ao fim de uma semana de brisas favoráveis, eis que as ondas começam a murmurar os seus silêncios aos ventos embrutecidos, ajudando-os a crescer. As tormentas ganham proporções inimagináveis. A nossa sorte mudou! Estas tempestades não nos sopram na direção correta, e agora vamos ter de as enfrentar se desejamos voltar à rota desejada. Alguns já rezam, almejam alcançar terra que nos possa proteger. O céu está negro, e as ondas agigantam-se até ficarem do tamanho do medo. Rasgamos caminhos por intervalos impossíveis e agarramo-nos a qualquer coisa que nos impeça de sermos engolidos pelas águas ferozes do grande lago. O oceano acordou com uma valente má disposição e transformou-se neste mostrengo que nos põe à prova. Quer ver de que massa somos construídos. Ficará a saber que é em combates destes que moldamos o nosso carácter e que estas são as lutas hercúleas e desiguais que nos fortalecem.
- Vem! De que é que tu estás à espera? Vem, engole-nos se fores capaz, vem enfrentar estes bravos destemidos. É a nossa coragem invisível que nos agrupa como se fossemos um só, caso contrário seríamos facilmente engolidos. Estamos unidos neste desespero, neste propósito comum. Estamos todos unidos para te derrotar.
Os ousados marinheiros tentam manter as naus à tona durante horas, durante dias, até que o desânimo se começa a instalar com a chegada do cansaço. Para o mostrengo, contudo, a batalha só agora começou. E o que se diverte a dona morte com estes acontecimentos, toda ela é sorrisos. Passeia-se alegremente por entre os mastros dos navios, diverte-se a observar aquela azáfama.
- Vem! De que é que estás à espera? Será que só eu te consigo ver? Gostas de sorrir, quando te encaro, nesse teu ar majestoso e aterrador.
Por esta altura uma vaga imensa abraça a São Miguel que logo desaparece. Num ápice, alguns valentes marinheiros são cuspidos e ficam entregues à sua sorte. É cada um por si, nestes momentos de infortúnio. Os companheiros gritam e esbracejam, tentam levantar a pouca esperança que lhes resta e puxam os companheiros pelas cordas que lhes lançaram, pois disso depende as suas vidas.
- Homens ao mar! Puxem, não desistam, puxem com todas as forças até que estarem a salvo das ondas ferozes… puxem, caramba, vamos lá, não desistam…
A morte continua a olhar para mim enquanto gritamos. Está cada vez mais alegre e sorridente ali sentada no mais alto dos mastros do navio, coberta de finas rendas negras, calçando sandálias tão gastas que mal lhe cobrem as ossadas carcomidas pelo tempo. O vento assobia ao passar pelo esqueleto da figura e o mar salgado penteia-lhe os escassos cabelos quebradiços.
- Porque nos visitas? Porque nos persegues? O que desejas de nós? Somos assim tão importantes para ti?

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