Álvaro alcança um abrigo solitário mantendo a
respiração estável e ritmada. Foi com extrema dificuldade que conseguiu chegar,
são e salvo, a estas profundezas. Aqui no fundo a pressão é tremenda, e tem
como aliadas a escuridão, o frio, o silêncio e um vazio quase infinito. As
guardiãs de coral depositaram-no num lugar destinado a foragidos fora da lei
que se dedicavam a inventar e espalhar falsidades pelos quatro cantos do mundo
conhecido. Álvaro não é estátua e não compreende o que lhe está a acontecer.
Foi-lhe impossível resistir ao timbre encantador da voz do mar, que o enfeitiçou,
e ele teve de lhe obedecer. Agora é um prisioneiro do lago que o quis receber.
As guardiãs de coral apagam as tochas que iluminaram
a descida, deixam de sorrir e afastam-se, velozes, desta planície sem fim.
As estátuas prisioneiras que aqui foram colocadas
encontram-se separadas por espaços imensuráveis. Estão inertes e pensativas,
esquecidas até pelo tempo que deixou de passar por aqui.
- Possam os meus companheiros chegar, são e salvos,
a um porto seguro. Foi por eles que troquei o certo pelo incerto. Fiz a vontade
ao mar. Acabou-se o tempo, acabaram as preocupações. Sou um viajante do meu
sonho, tal como previ. Tudo passará a ser bem mais simples, de agora em diante.
Sou este alguém que outrora compreendeu as impercetíveis alterações das brisas
e das marés que perfumavam a viagem. Através delas consegui chegar ao fundo
deste mar oceano onde respiro. Aqui recordo esses sinais que me chegavam, quase
sempre, sem aviso. Se Adelaide me pudesse ver, se soubesse onde me encontrar, aos
berros, chamar-me-ia de louco.
Eis que o imperatriz de chumbo chega para reclamar o
seu império. Avança na escuridão que murmura à sua passagem. O silêncio é
derrotado, e por debaixo dos pés de Álvaro o chão começa a ranger da mesma
maneira como rangem os dentes, os ossos e o medo, que range o mesmo que o corpo
sente. Um ruído insuportável agita as águas escuras do grande lago gerando um
turbilhão de espuma, de pedras e de areia. As estátuas, outrora apartadas por
distâncias incalculáveis, são atraídas pelo fenómeno que as arrasta, suga, e
empurra, umas contra as outras, com extrema facilidade. Uma montanha de
estátuas empilhadas rola no centro da forte corrente marítima que se formou. A
estridência é tanta que fere os ouvidos do marinheiro. Álvaro fica momentaneamente
surdo ao escutar o silvo mais agudo de que há memória, e desfalece.
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