Tanto sofrimento ajudou a desfazer as paredes, o soalho e o teto da
habitação, avançando por lugares onde outrora habitavam sorrisos. O chão
amorteceu a queda da casa que lhe passou a pertencer, virtuosa e verdadeira, recuperando
a eternidade num breve instante. Beijou-a, acariciou-lhe as pedras e todos os
pedaços de madeira que de imediato começaram a minguar, sem que se soubesse porquê.
Adelaide fechou os olhos e viu-se a correr, desenfreada, ao redor da casa
inexistente. Errou à volta da habitação, tempos sem fim, em passos longos, largos
e pujantes. O calor daquele dia aqueceu a terra onde cresceram e para onde o
seu olhar mergulhou. O pai e os irmãos deviam ter regressado com Álvaro, pois
ali sempre fora o seu lugar. Adelaide recordou o momento em que ele voltou.
Apareceu, como um fantasma, à soleira da porta, e ela sem saber o que fazer. O
marinheiro subiu os dois pequenos degraus e avançou alguns passos em direção a
ela, que tremia e chorava e soluçava perante a sua aparição. Beijou-a no rosto,
ao de leve, um beijo que cheirava aos anos todos que passara em alto mar.
Adelaide virou ligeiramente a cara num reflexo incontrolável que não antecipou.
O irmão estava magro, trazia uns farrapos sujos colados ao corpo franzino como
uma segunda pele. Tinha os olhos carregados com olheiras profundas, o cabelo
longo e escorrido e um sorriso aceso por debaixo do manto de pelos grisalhos
que lhe acrescentavam mais dez anos de vida.
- Adelaide! – disse o marinheiro numa voz fraca e muito rouca – Tens alguma
coisa para comer?
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