Adelaide sonhou.
Esta noite, Adelaide sonhou.
O irmão mais novo era um herói de asas enormes e
manchadas, de corpo tatuado com estranhos animais marinhos.
O sonhou perturbou-a, pois era intenso, quase real.
Seres gigantescos de caudas enormes queriam roubar
as asas de Álvaro, que dançava e cantava, debaixo de água, uma canção que
ela desconhecia. Os bichos tinham olhos
gigantescos, negros e inexpressivos, mas o irmão sorria enquanto cantava,
alheio ao perigo. Nadava orgulhoso, movendo para cima e para baixo umas longas
asas ondulantes, até que desapareceu numa cordilheira marítima que se estendia
por toda a extensão do leito do mar oceano.
Adelaide sonhou.
Álvaro lançou-lhe um último olhar, um em que ela mal
reparou, e depois afastou-se, acompanhado por outro ser com asas iguais às
suas, que o abraçava com ternura.
Era ali que eles viviam, naquela grandiosa
cordilheira, e agora Adelaide sabe-o, porque sonhou.
Os bichos voltaram-se para ela, ameaçadores, e
surpreenderam-na naquele lugar improvável. Partiram-lhe uma perna, comeram-lhe
as mãos, deixaram-lhe o corpo inacabado, despido, sem pele nem macieza, e
retiraram-lhe os olhos, que saltaram, até só restarem os ossos.
O que teria ela feito para ser castigada por um pesadelo
assim?
O irmão ainda a viu transformar-se em estátua, pois só
em sonhos ela pode visitar estes lugares distantes onde ele reside.
Os cabelos de Adelaide foram a última parte a transformar-se
em pedra, e ondularam ao sabor das correntes que os vieram entrelaçar.
Nesta noite, Adelaide sonhou.
Dona morte mirou-a, com olhar severo.
Sem desviar os olhos, tocou-lhe no pescoço gelado com
os seus finos dedos de gesso,
… e corpo de Adelaide brilhou pela última vez.
F I M
Sem comentários:
Enviar um comentário