sexta-feira, 17 de abril de 2015

76 - ESTAREI SEMPRE CONTIGO


Álvaro já está com saudades deste lugar onde tudo é tão diferente daquilo que conhece e conheceu. Aqui descobriu segredos e histórias que para sempre o modificaram.
- Um dia, todos seremos estátuas como estas que embelezam o fundo do lago, criaturas imperfeitas feitas de pedra e coral, esculpidas pelas memórias e acontecimentos da vida. Nada me pertence nesta ilha que sou! Nada é nosso nesta eternidade que não desfrutamos, ao contrário dos deuses poderosos que aqui habitam.
Álvaro abraça a grande manta e beija-a com ternura. Tenta escutar o bater do coração deste imenso cosmos ao qual está enlaçado, um tão impossível de acontecer ou existir. Os pensamentos dos dois entrelaçam-se, conquistam o espaço infinito que existe em suas mentes, e onde as verdades e as mentiras gostam de brincar como crianças inocentes. É aí que os seus corpos ficam iguais e brilhantes como dentro da enorme esfera de estátuas que os abrigou. Os olhares tocam-se, encontram-se, e eles sabem que o amor existe pois sem ele a vida não tem qualquer significado.
Perto um do outro, recordam todos os instantes de felicidade, e a alma do marinheiro ilumina-se:
- Se eu pudesse, ficaria aqui para sempre, perto de ti, Cecília! Escolheria um lugar sem som e sem luz, como aqueles que percorremos, perdidos, no fundo deste lago oceano. Eu não hesitaria em percorrê-los, mais uma vez, sabendo que estarias comigo, traçada nas tuas linhas suaves com coxas de pele macia como a seda. Demorar-nos-íamos o tempo necessário para fazermos roçar as nossas almas. Eu acredito que, quando morrer, serei colocado neste lugar improvável e secreto onde passarei a ser apenas mais uma estátua, mas sei que é aqui que tu me visitarás. Sedna confirmou-o no instante em que Poseidon avançou para mim com a ira estampada no rosto.
O corpo da manta acende-se, mais uma vez, antes de se transformar em mulher. Cecília tem o corpo a brilhar, e a alma cheia de luz. Debaixo de uma água cristalina aquecida pelos raios de sol que chegam da superfície, abraça-se ao marinheiro, beijando-o apaixonadamente:
- Acredito, como tu, que nos iremos reencontrar, um dia, sob uma qualquer forma perfeita que ainda desconhecemos. – diz Cecília, com uma voz meiga e olhar sereno. O sangue palpita-lhe nas veias ao entender que chegou a hora de Álvaro regressar. A vida dos seus camaradas de viagem dependia do heroico navegador, e ele salvou-os através de um instinto e coragem tão raros que até aos deuses conseguiu espantar.
- Parte, pois tens de partir, mas fica sabendo que a história da tua passagem por este reino perdurará muito para lá dos tempos…
As mãos de Cecília guardam as mãos do navegante. A manta, deusa bailarina, sabe que o momento chegou, pois já se avistam as velas dos navios, ao longe, mas é-lhe difícil dizer adeus.
- Parte, vai ter com os teus companheiros a quem salvaste de um triste fim.
As mãos de Cecília já não guardam as mãos do navegante.
Ao longe, as mãos da manta, deusa bailarina, acenam-lhe um adeus.

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