Álvaro já está com saudades deste lugar onde tudo é tão diferente daquilo
que conhece e conheceu. Aqui descobriu segredos e histórias que para sempre o
modificaram.
- Um dia, todos seremos estátuas como estas que embelezam o fundo do lago,
criaturas imperfeitas feitas de pedra e coral, esculpidas pelas memórias e
acontecimentos da vida. Nada me pertence nesta ilha que sou! Nada é nosso nesta
eternidade que não desfrutamos, ao contrário dos deuses poderosos que aqui
habitam.
Álvaro abraça a grande manta e beija-a com ternura. Tenta escutar o bater
do coração deste imenso cosmos ao qual está enlaçado, um tão impossível de
acontecer ou existir. Os pensamentos dos dois entrelaçam-se, conquistam o
espaço infinito que existe em suas mentes, e onde as verdades e as mentiras
gostam de brincar como crianças inocentes. É aí que os seus corpos ficam iguais
e brilhantes como dentro da enorme esfera de estátuas que os abrigou. Os
olhares tocam-se, encontram-se, e eles sabem que o amor existe pois sem ele a
vida não tem qualquer significado.
Perto um do outro, recordam todos os instantes de felicidade, e a alma do
marinheiro ilumina-se:
- Se eu pudesse, ficaria aqui para sempre, perto de ti, Cecília! Escolheria
um lugar sem som e sem luz, como aqueles que percorremos, perdidos, no fundo
deste lago oceano. Eu não hesitaria em percorrê-los, mais uma vez, sabendo que
estarias comigo, traçada nas tuas linhas suaves com coxas de pele macia como a
seda. Demorar-nos-íamos o tempo necessário para fazermos roçar as nossas almas.
Eu acredito que, quando morrer, serei colocado neste lugar improvável e secreto
onde passarei a ser apenas mais uma estátua, mas sei que é aqui que tu me
visitarás. Sedna confirmou-o no instante em que Poseidon avançou para mim com a
ira estampada no rosto.
O corpo da manta acende-se, mais uma vez, antes de se transformar em
mulher. Cecília tem o corpo a brilhar, e a alma cheia de luz. Debaixo de uma água
cristalina aquecida pelos raios de sol que chegam da superfície, abraça-se ao marinheiro,
beijando-o apaixonadamente:
- Acredito, como tu, que nos iremos reencontrar, um dia, sob uma qualquer forma
perfeita que ainda desconhecemos. – diz Cecília, com uma voz meiga e olhar sereno.
O sangue palpita-lhe nas veias ao entender que chegou a hora de Álvaro regressar.
A vida dos seus camaradas de viagem dependia do heroico navegador, e ele salvou-os
através de um instinto e coragem tão raros que até aos deuses conseguiu espantar.
- Parte, pois tens de partir, mas fica sabendo que a história da tua passagem
por este reino perdurará muito para lá dos tempos…
As mãos de Cecília guardam as mãos do navegante. A manta, deusa bailarina, sabe
que o momento chegou, pois já se avistam as velas dos navios, ao longe, mas é-lhe
difícil dizer adeus.
- Parte, vai ter com os teus companheiros a quem salvaste de um triste fim.
As mãos de Cecília já não guardam as mãos do navegante.
Ao longe, as mãos da manta, deusa bailarina, acenam-lhe um adeus.
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