Com as roupas que vestia, passeou pela
casa. Adelaide não parava de chorar ao escutar de novo os seus passos. Ali ficou,
de olhos fechados, agarrada à cabeça que lhe doía imenso, sem saber no que
havia de acreditar. Álvaro peregrinou por todos os recantos da casa, passeou
uma dúzia de minutos até que saiu porta fora em busca da ribeira cúmplice de
outrora. Pelo caminho a boca ficou mais seca e amarga. O coração estava ferido,
tal como a cabeça, as pernas e os braços. Herdara as marcas na última viagem,
pois essa era a ordem natural das coisas.
O ribeiro soltava o mesmo cântico de
sempre ao avançar, ordeiro e pacato, sem transbordar. Álvaro fixou o olhar na
água límpida, escutou todos os sons e todos os murmúrios, ouviu a sua voz
cortês e apazigou algumas dores. Parou junta à margem esquerda naquele lugar
onde gostava de se refugiar. Molhou os cabelos desgrenhados, as mãos e os pés.
Essa foi a primeira ideia que lhe ocorreu, e logo a praticou. Passou as mãos
pelo rosto seco e queimado e observou, por instantes, o seu reflexo nas águas
que passavam. Não se reconheceu, não soube quem era aquele que ali se
encontrava, e ficou estático um longo momento, dividido entre sorrisos de
contentamento e frustração. Refrescou os dedos magros, um a um, várias vezes, e
a água bebeu. Despiu-se e mergulhou até ao pescoço, deixando-se extasiar. Os
montes, ao longe, ouviram-no a falar sozinho enquanto se banhava, até a lua
chegar e o encantar. Ali permaneceu até ao cair da noite, quando a grande bola
de marfim o iluminou. O seu corpo tinha viajado por um outro mundo habitado por
centenas de milhares de estátuas, por deuses e mulheres-manta, mas era ali,
naquele lugar, que ele verdadeiramente se deixava enfeitiçar.
- Amo-te, ribeiro! – repetiu até a noite
se transformar em madrugada e a irmã o ter ido resgatar.
Adelaide sabia de cor o número de passos
que ele dava quando ali se recolhia. Assim que o via, corria como uma criança,
fascinado pela beleza do lugar. Verdes infinitos enfeitavam as margens
embelezadas por pedras, troncos e centenas
de árvores de copas largas, quase ornamentais. Era mais de uma hora de passeio
desde casa para ali chegar.
Os dedos de Álvaro tocavam na água,
acompanhavam a música que ela fazia ao avançar, batiam, maravilhados, na bela e
fresca seda transparente.
- Álvaro, não devias estar aí! Está frio
nesta noite de outono. Vem, agarra a minha mão, deixa-me ajudar-te a sair! –
exclamou Adelaide mal o encontrou.
Ela avançou para junto dele. Concentrada,
fincou as pernas oferecendo-lhe depois a mão direita. A luz da lua era filtrada
pelas árvores e saltava sobre a água bailarina que lhe molhava as pernas até
aos joelhos.
- Álvaro, anda, sai daí de dentro.
Depois de tanto tempo passado sem sabermos um do outro, a primeira coisa que
resolves fazer é vires tomar banho na ribeira? Só mesmo tu para te passar uma
coisa destas pela cabeça.
O marinheiro levantou-se sem lhe
responder. Estendeu-lhe a mão e sorriu. Agarrou-a, sentiu calor, uma maciez
cálida que o agitou.
- Se me viste visitar, terás de te banhar!
– disse-lhe, ao mesmo tempo que a puxou para junto de si.
Sem comentários:
Enviar um comentário