A irmã chamava-o de louco, um louco sonhador que só
queria ser aquilo que não podia. Quem é que ele julgava que era?
Um dia Adelaide deu por ela encostada a uma rocha
fria à espera do irmão. Tinha-se esquecido dos rostos dos pais e quase
esquecera os dos irmãos mais velhos que o mar também levou. Tinha-se esquecido
da infância, desses dias vividos lá tão longe, tinha-se esquecido…
- Não sei onde se terá metido, nem sei se
regressará. Mas que raio terá o estúpido do meu irmão Álvaro metido na cabeça
para desaparecer assim desta maneira, e por tantos dias?
Ficar sozinho entregue aos seus pensamentos, foi
isso que ele aprendeu a fazer, e como gostava de o fazer. Munido de quase nada,
um simples cajado e uma navalha velha bem afiada, eram toda a companhia de que
necessitava. Álvaro estava habituado a passar dias em jejum, e sabia o que
fazer para matar a fome. Era capaz de ser tão animal, tão selvagem como muitas
das espécies que habitavam a floresta e os montes por onde passeava.
- Quando chegares, se chegares, vais só ver o que te
vou fazer, meu irmão! Tenho dúvidas acerca do teu perfeito juízo, pois se até foste
capaz de dançar na sala de madrugada, e eu fiquei tão assustada que nem te fui
capaz de interromper. E agora isto! Não sei onde a tua loucura teve início, sei
lá se a culpa é da lua ou do oceano que nos levou o pai e os irmãos. E se falo da
lua é só porque a detesto, ai como a odeio! Essa desgraçada consegue avistar todas
as naus que se fizeram ao mar, desde lá do alto. Ela pode ver, mas nós, aqui em
baixo, não conseguimos discernir nenhuma embarcação. Gostava de ser alta como a
lua para conseguir ver-te, saber onde estás e o que fazes. A vida assim não o quis,
e agora estou para aqui sozinha com as minhas reflexões, os meus silêncios e quietudes,
nesta casa velha que nos viu nascer. Aqui sou tão triste, mesmo quando sonho. Não
pude ser nada do que queria e nem me recordo desse passado em que ainda podia desejar.
Adelaide não conseguia compreender esta súbita paixão
de Álvaro. Para quê passar dias inteiros perdido nos montes e vales, logo ele que
só falava do mar e de como o amava. O oceano era o mais feliz de todos os gigantes,
e assim que ele lá conseguisse morar, também conseguiria ser feliz. A irmã ficava
preocupada, e custava-lhe escutar estas palavras ao Álvaro, custava-lhe tanto. Eram
as mesmas palavras que o pai e os irmãos sempre disseram, e agora mais não são que
meras sombras e recordações.
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