sábado, 3 de janeiro de 2015

24 - A TUA LOUCURA É A MINHA LOUCURA


A esfera onde viaja é quase uma ruína, é esta coisa improvável que se vai descascando, com violência, pelos trajetos tortuosos da expedição.
O navegante precisa de repousar, apesar de não pretender descansar. Também não quer abrandar o ritmo da viagem, não agora que aprendeu a apreciar o simples ato de condução do sublime planeta negro que o transporta pelo fundo do grande lago. Compreendeu o que fazer para dominar o passeio pelas encostas escarpadas como se fosse um hábil animal marinho, e alonga os trajetos de propósito para melhor admirar as fantásticas paisagens subaquáticas que aprendeu a vislumbrar na escuridão.
Naquele dia em que chegou do mais longo dos passeios, Álvaro resolveu responder a todas as perguntas que a irmã lhe colocou. Normalmente não o fazia, gostava de guardar só para si as memórias e histórias daqueles instantes mágicos em que era só ele e a natureza, mas nesse dia algo lhe disse para falar. Isso foi uma coisa que nunca antes tinha acontecido.
Álvaro sabia que aquelas não eram as respostas que a irmã esperava obter, mas apesar de tudo gostou muito da atenção com que Adelaide o escutou sem interromper. As palavras saíram-lhe sem travão até que a luz de uma gloriosa lua cheia iluminou o céu e os seus rostos. Por essa altura a irmã já tinha adivinhado o que não era difícil de interpretar.
A loucura tinha, definitivamente, tomado conta do seu irmão.
As palavras e as histórias que ele lhe narrou eram demasiado fantasiosas para serem engendradas por uma mente saudável. Os mundos de que Álvaro lhe falou, as imagens que descreveu e comunicou eram tão mirabolantes que só podiam brotar de uma mente desequilibrada.
Pobre Álvaro! A demência tinha tomado conta da alma do desgraçado.
- Louco! Estás louco meu irmão! Tal e qual o nosso pai que a mãe dizia ser impossível de aturar. Tu estás cada vez mais parecido com ele, mas essa tua loucura não é igual à loucura de ninguém. Nenhuma loucura é igual à loucura de ninguém, Álvaro, por isso a tua loucura é esta coisa tão mesmo assim. É a tua loucura! Ninguém te conseguirá compreender, nem esses mundos que acabas de descrever ou essas pessoas que dizes ter conhecido. Tu nunca as viste e tão-pouco com elas terás alguma vez conversado. São apenas fruto da tua loucura, dessa imaginação delirante que passou a tomar conta de ti. Só mesmo um louco pode afirmar conhecer gente com quem nunca falou de verdade. As tuas viagens acabaram por se tornar a fonte de todos os teus delírios, e isso também está a dar cabo de mim.


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