A esfera onde viaja é quase uma ruína, é esta coisa
improvável que se vai descascando, com violência, pelos trajetos tortuosos da
expedição.
O navegante precisa de repousar, apesar de não
pretender descansar. Também não quer abrandar o ritmo da viagem, não agora que
aprendeu a apreciar o simples ato de condução do sublime planeta negro que o
transporta pelo fundo do grande lago. Compreendeu o que fazer para dominar o
passeio pelas encostas escarpadas como se fosse um hábil animal marinho, e
alonga os trajetos de propósito para melhor admirar as fantásticas paisagens
subaquáticas que aprendeu a vislumbrar na escuridão.
Naquele dia em que chegou do mais longo dos
passeios, Álvaro resolveu responder a todas as perguntas que a irmã lhe
colocou. Normalmente não o fazia, gostava de guardar só para si as memórias e
histórias daqueles instantes mágicos em que era só ele e a natureza, mas nesse
dia algo lhe disse para falar. Isso foi uma coisa que nunca antes tinha
acontecido.
Álvaro sabia que aquelas não eram as respostas que a
irmã esperava obter, mas apesar de tudo gostou muito da atenção com que
Adelaide o escutou sem interromper. As palavras saíram-lhe sem travão até que a
luz de uma gloriosa lua cheia iluminou o céu e os seus rostos. Por essa altura
a irmã já tinha adivinhado o que não era difícil de interpretar.
A loucura tinha, definitivamente, tomado conta do
seu irmão.
As palavras e as histórias que ele lhe narrou eram
demasiado fantasiosas para serem engendradas por uma mente saudável. Os mundos
de que Álvaro lhe falou, as imagens que descreveu e comunicou eram tão
mirabolantes que só podiam brotar de uma mente desequilibrada.
Pobre Álvaro! A demência tinha tomado conta da alma
do desgraçado.
- Louco! Estás louco meu irmão! Tal e qual o nosso
pai que a mãe dizia ser impossível de aturar. Tu estás cada vez mais parecido
com ele, mas essa tua loucura não é igual à loucura de ninguém. Nenhuma loucura
é igual à loucura de ninguém, Álvaro, por isso a tua loucura é esta coisa tão
mesmo assim. É a tua loucura! Ninguém te conseguirá compreender, nem esses mundos
que acabas de descrever ou essas pessoas que dizes ter conhecido. Tu nunca as viste
e tão-pouco com elas terás alguma vez conversado. São apenas fruto da tua loucura,
dessa imaginação delirante que passou a tomar conta de ti. Só mesmo um louco pode
afirmar conhecer gente com quem nunca falou de verdade. As tuas viagens acabaram
por se tornar a fonte de todos os teus delírios, e isso também está a dar cabo de
mim.
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