terça-feira, 6 de janeiro de 2015

25 - ESTÁTUA DE CRIANÇA MENINA


Álvaro continuou a contar à irmã a história do seu último passeio, pois o frio não perdoava e a radiosa luz da manhã, esse doce perpétuo, já se fazia anunciar. Trazia a pele muito seca e as mãos estavam enrugadas e marcadas pelos anos de trabalho e suplício passados a bordo de muitos navios. Algumas dessas navegações deram grandes prejuízos pois estavam mal preparadas. Outras, foram as tripulações que se revoltaram e obrigaram os comandantes a regressar a casa com um fiasco no currículo.
- Tu não fazes ideia, minha irmã, de como eu gosto de me perder pela serrania e de falar com riachos e pedras e nuvens e pássaros e com as estrelas. Desta vez cheguei a casa com a firme convicção de que vou conseguir ser dono do meu destino, e será bem diferente dos demais. Não me deixarei transformar numa estátua como os outros. Ao contrário deles serei sempre capaz de imaginar.
 
A grande esfera volta a crescer depois de arrecadar mais estátuas ao fundo do grande lago. Viaja por canais mais largos e menos acidentados mantendo a velocidade constante. Aqui as areias são brancas e finas, são tão claras que conseguem amenizar a escuridão. A profundidade já não é tanta e a luz da superfície consegue aqui chegar. Se a viagem tivesse corrido mal, os monstros marinhos poderiam ter arrancado facilmente a carne a todos os ossos do marinheiro.
Álvaro repara na estátua de uma rapariga que se encontra ao centro do imenso canal, mesmo no meio da passagem. A escultura chamou-lhe a atenção porque a grande esfera parou no local onde a estatueta foi semeada. A jovem olha para o alto do planeta negro e grita para garantir que o marinheiro a possa escutar:
- Tu não pertences a este lugar! O que vieste tu aqui fazer?
O navegador está bastante admirado por ter conseguido escutar as palavras da estátua e resolve descer para conversar. Agora é ele quem tem perguntas para fazer, mas antes de ter finalizado a descida a rapariga volta a questioná-lo com uma voz arreliada:
- É a primeira vez que alguém passeia por estas paragens. Deves ser um homem muito poderoso. Dá-me a tua mão! Despacha-te, não tenhas medo que eu não mordo, tu és pessoa e eu uma simples estátua de mulher. Admite, estás admirado com o nosso reino e com tudo isto por que estás a passar. O fundo do lago é enigmático e até um pouco assustador, mas depois da estranheza dos primeiros instantes, tudo acontece com naturalidade e os receios quase que desaparecem, não é verdade? Anda, temos muito que conversar. Tens de me retirar daqui antes que o grande planeta volte a girar e eu passe a ser outra das muitas estátuas que o fazem crescer. Sei que não é isso que pretendes de mim. Vá, despacha-te, tira-me daqui antes que seja tarde demais. Passei anos à espera que uma coisa assim me pudesse acontecer.
O pensamento de Álvaro fugiu para Adelaide. Talvez ela estivesse do lado da razão de todas as vezes que lhe chamou aqueles nomes.

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