Álvaro continuou a contar à irmã a história do seu
último passeio, pois o frio não perdoava e a radiosa luz da manhã, esse doce perpétuo,
já se fazia anunciar. Trazia a pele muito seca e as mãos estavam enrugadas e
marcadas pelos anos de trabalho e suplício passados a bordo de muitos navios. Algumas
dessas navegações deram grandes prejuízos pois estavam mal preparadas. Outras,
foram as tripulações que se revoltaram e obrigaram os comandantes a regressar a
casa com um fiasco no currículo.
- Tu não fazes ideia, minha irmã, de como eu gosto
de me perder pela serrania e de falar com riachos e pedras e nuvens e pássaros
e com as estrelas. Desta vez cheguei a casa com a firme convicção de que vou
conseguir ser dono do meu destino, e será bem diferente dos demais. Não me
deixarei transformar numa estátua como os outros. Ao contrário deles serei
sempre capaz de imaginar.
A grande esfera volta a crescer depois de arrecadar
mais estátuas ao fundo do grande lago. Viaja por canais mais largos e menos
acidentados mantendo a velocidade constante. Aqui as areias são brancas e
finas, são tão claras que conseguem amenizar a escuridão. A profundidade já não
é tanta e a luz da superfície consegue aqui chegar. Se a viagem tivesse corrido
mal, os monstros marinhos poderiam ter arrancado facilmente a carne a todos os
ossos do marinheiro.
Álvaro repara na estátua de uma rapariga que
se encontra ao centro do imenso canal, mesmo no meio da passagem. A escultura
chamou-lhe a atenção porque a grande esfera parou no local onde a estatueta foi
semeada. A jovem olha para o alto do planeta negro e grita para garantir que o
marinheiro a possa escutar:
- Tu não pertences a este lugar! O que vieste tu
aqui fazer?
O navegador está bastante admirado por ter
conseguido escutar as palavras da estátua e resolve descer para conversar.
Agora é ele quem tem perguntas para fazer, mas antes de ter finalizado a
descida a rapariga volta a questioná-lo com uma voz arreliada:
- É a primeira vez que alguém passeia por estas
paragens. Deves ser um homem muito poderoso. Dá-me a tua mão! Despacha-te, não
tenhas medo que eu não mordo, tu és pessoa e eu uma simples estátua de mulher.
Admite, estás admirado com o nosso reino e com tudo isto por que estás a passar.
O fundo do lago é enigmático e até um pouco assustador, mas depois da estranheza
dos primeiros instantes, tudo acontece com naturalidade e os receios quase que desaparecem,
não é verdade? Anda, temos muito que conversar. Tens de me retirar daqui antes que
o grande planeta volte a girar e eu passe a ser outra das muitas estátuas que o
fazem crescer. Sei que não é isso que pretendes de mim. Vá, despacha-te, tira-me
daqui antes que seja tarde demais. Passei anos à espera que uma coisa assim me pudesse
acontecer.
O pensamento de Álvaro fugiu para Adelaide. Talvez ela
estivesse do lado da razão de todas as vezes que lhe chamou aqueles nomes.
Sem comentários:
Enviar um comentário