domingo, 11 de janeiro de 2015

27 - TODAS AS ESTÁTUAS PERTENCEM AO MAR


Para vencer os desafios e os mistérios que o mar tem para revelar, os navegadores devem ter em conta um importante desígnio – os marinheiros estão unidos no sucesso e no fracasso.
Este é o melhor compromisso do mundo. Só com este entendimento conseguirão viver juntos durantes dias, meses, e até anos, nas naus que os transportam, e apenas com um contínuo trabalho de equipa as suas viagens não serão transformadas em pesadelos. Todos os passos, ideias, ações e reações devem estar sincronizadas para que as inevitáveis incertezas não os venham a derrotar. As vitórias nas longas viagens marítimas alcançam-se através de um imenso espírito de sacrifício e uma sobre-humana capacidade de abnegação. Por vezes tanto esforço é insuficiente e são mais os retrocessos que os triunfos. Os mais bravos de todos terão de atravessar verdadeiros cabos das tormentas para se conseguirem destacar dos demais, mas quer saiam vencedores ou vencidos, a tarefa não será fácil para ninguém.
Vitória no mar e glória em terra para os mais bravos de entre todos os navegadores. Os que alcançarem vitórias serão um orgulho para a nação, para as tripulações, para eles próprios e para as suas famílias, embora muito pouco ou quase nada, para além disso, venham alguma vez a receber.
Menos é mais nesta vida de marinheiro, e ninguém é mais do que os demais. Todos, sem exceção, são imprescindíveis para o cumprimento das difíceis navegações e para ajudar a transformar as constantes desvantagens em favores permanentes. Por vezes, menos é mais, e uma boa dose de sorte também não será de menosprezar para que não voltem a casa carregando uma derrota aos ombros. Desejam concretizar um bom trabalho e, acima de tudo, evitar a tragédia para conseguir regressar a casa são e salvos. Esta é a maior de todas as ambições, a maior de todas as vitórias, e como ficarão felizes se isso vier a acontecer.
A jovem está atenta aos trilhos que vão percorrendo, e sente-se feliz por Álvaro ter respondido ao seu apelo.
- Sim, é verdade, agora posso dizer-te que esta é a mais importante das vitórias. Estamos vivos, aqui e agora. O ontem já não existe e quem sabe o que o amanhã terá para oferecer.
Álvaro está feliz por ter respondido ao apelo da rapariga, e está muito atento aos trilhos por onde vão girando. A luz que chega da superfície torna-se forte e consegue iluminar uma grande extensão do fundo do lago.
- Esta história que estou a viver, jamais a conseguiria imaginar, quanto mais relatar. Gostava tanto de ser capaz de escrever para conseguir contar as minhas histórias. – afirma o marinheiro ao atravessarem uma área repleta de grandes sargaços.
Incomoda-o pensar estas frivolidades numa fase tão importante da viagem. Adelaide é a única capaz de lhe dizer as verdades sem o ofender, é incapaz de o magoar e é por isso que lhe diz o que ele necessita de escutar com aquela sensibilidade tão típica que só ela possui. – Doido, ficaste completamente doido da cabeça, meu irmão!
O marinheiro procura a cidade subaquática que já visitou, sabe que tem de lá regressar caso pretenda ter sucesso na salvação dos seus camaradas. 
- Não estás longe da cidade para onde pretendes regressar, pois a esfera tem rolado pelos trilhos corretos a grande velocidade. Esta zona que agora atravessamos é frequentada por espécies marinhas muito perigosas e tu deverás ter muito cuidado pois não tens nada com que te possas defender. Podes estar mais indefeso do que supões, e não conseguirás livrar os teus companheiros do destino que os espera se algum destes animais marinhos te atacar. Dona morte é bem capaz de ter engendrado esta estratégia toda com a única intenção de se divertir. Somos um simples joguete em suas mãos. Também já pensaste nessa possibilidade, eu consigo lê-lo nos teus olhos. Apenas te resta acreditar, terás de acreditar, como todas as estátuas deste lago, que talvez não seja bem assim e que desta vez a história acontecerá como tu a imaginaste. No fundo do lago as coisas acontecem ao contrário do que se passa à superfície. Aqui em baixo a realidade ultrapassa largamente a fantasia e ficção. Quando sentimos que isto nos está a acontecer, passamos a pertencer ao grande lago oceano. Para ser franca, nenhuma estátua alguma vez terá deixado verdadeiramente de pertencer a este mar, nem mesmo quando se transformou em gente e se esqueceu deste lugar que a viu nascer.

Sem comentários:

Enviar um comentário