Ao aproximar-se da estátua da rapariga, ele
apercebe-se que a escultura é muito parecida com a sua irmã quando jovem.
Hesita, antes de lhe pegar, e depois retira-a do meio do caminho. A jovem é
mais leve do que imaginara e é com facilidade que a transporta para um outro
lugar. Coloca-a com muito cuidado, de pé, ao lado da imensa esfera negra que se
mantém imóvel no mesmo sítio onde parou. As palavras custam-lhe a sair.
Admirado com tantas semelhanças, esquece-se das perguntas que tinha para lhe
fazer. Observa-a com olhos surpresos. O mármore rosado em que foi esculpida é
tão liso e brilhante que ninguém diria ter sido abandonada há muito tempo.
Pelas palavras da rapariga, Álvaro depreendeu que ela já estaria cansada de
tanta solidão pois ninguém antes dele a visitara. Esta é uma estátua diferente
das demais, o mar poupou-a, manteve-a incólume, ao contrário de outras que
acabaram cobertas por corais. O marinheiro ficou mudo, mas a jovem é rápida a
agradecer:
- Obrigada! Muito obrigada pela tua atenção. Foste
gentil comigo. Sabes que o meu destino era passar a fazer parte dessa grande
esfera onde viajas. Desculpa, mas isso era algo que eu não queria. Prefiro
assim. Se vieste em meu auxílio, talvez me possas levar para bem longe daqui.
Não ficaste indiferente ao meu apelo, e foste rápido a agir em meu auxílio.
Agradeço-te a tua amabilidade.
Os marinheiros sabem melhor do que ninguém qual é o
verdadeiro peso da solidão, e de como ela se transforma naquela coisa
insuportável que se entranha nos corpos e na alma. São como estas estátuas que
habitam no fundo do lago, afastadas umas das outras por ordens expressas da
dona morte. Foram abandonadas em isolamento, e permanecem escondidas no mais
profundo dos silêncios, numa escuridão quase total, depositadas em águas tão
profundas e geladas que nem o tempo por lá se atreve a passear. Álvaro
prepara-se para resgatar esta estátua da sua condição. Sente-o, isto é algo que
irá aumentar a ira de dona morte mas ele sabe que tem de o fazer.
- Como te chamas? – pergunta o marinheiro
sorridente.
- O meu nome é aquele que desejares. Esqueci-me de
quem era quando aqui acordei. Podes batizar-me pois até o meu nome eu esqueci.
Pensei que pudesses avançar e eu seria apenas mais uma estátua dessa grande
esfera onde viajas. Por instantes pensei que assim iria acontecer, até que a
bola parou, até que tudo o resto se passou, e agora estamos aqui.
Álvaro sorri, abraça a estátua, levanta-a e coloca-a
sobre o ombro direito. Agarra-se à primeira figura da imensa esfera negra e
começa a subida de regresso ao topo do veículo, com grande destreza.
- Vou levar-te comigo. Tenho perguntas para te
fazer, mas não te vou cansar pois se nem o teu nome recordas. Vou levar-te
comigo até à cidade que procuro. Desta maneira não nos deixaremos abater pela
solidão, e tu bem sabes como ela nos faz ranger os ossos e os dentes e o medo,
que também tem ossos e dentes e range o mesmo que os corpos sentem.
A rapariga abraça Álvaro, ainda ao seu ombro, e
sorri. A jovem ganhou vida da cintura para cima e abraça o marinheiro uma outra
vez quando alcançam o topo do planeta feito de estátuas.
- Obrigada! Tens razão, eu não me recordo de quem
sou, nem o nome pelo qual era conhecida, mas sei o caminho que deves tomar para
alcançar essa cidade que procuras.
A esfera trepida, com um solavanco, e retoma a sua
marcha. Esta zona mais iluminada e menos acidentada do lago é percorrida sem
dificuldade. São muitas as espécies de peixes que nadam nestas águas e que os
acompanham ao longo do trajeto. Porque razão estará o fundo do mar povoado por
tantas e tantas estátuas? Esta é uma das muitas perguntas que Álvaro tem para
lhe fazer, mas prefere guardá-la para mais tarde. Agora é o tempo para admirar
a paisagem e desfrutar o passeio.
- Não te preocupes, marinheiro, estamos a avançar
pelo sítio certo. Existe uma vantagem ao viajares nesta esfera construída com
estátuas. Cada uma delas conhece, como ninguém, o fundo do oceano. Apesar de
permanecermos isoladas e estáticas nos lugares que nos foram destinados, as
nossas mentes permanecem num constante estado de alerta. Somos capazes de
sentir, escutar e até de formar opiniões acerca de muitos assuntos. Como vês,
apesar de serem raros, há momentos em que até podemos regressar à nossa
condição humana, e isso pode fazer toda a diferença.
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