segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

32 - SOMOS ESTÁTUAS DE CARNE E OSSO




Água, conchas, areia e mais algumas estrelas do mar escorrem pelo interior das paredes húmidas do globo. Acompanharam a jovem quando a esfera resolveu obedecer ao apelo do marinheiro. As estrelas do mar gostam de vir até aqui para crescer. Buscam alimento no interior deste objeto gigantesco.
A esfera descreve uma curva apertada à direita e desenha um arco pronunciado ao contornar mais uma colina rochosa. Contorce-se e derrapa, na mesma direção, de maneira quase descontrolada.
- AI! Quem me dera não te ter visto a desandar assim a esta velocidade estonteante. Se tivesses corrido a esta velocidade quando o tubarão me atacou, talvez o animal não tivesse conseguido provar as minhas carnes.
A jovem fica surpreendida com o tom do desabafo de Álvaro, e procura acalmá-lo:
- Deita-te, marinheiro, ainda estás fraco para te levantares. Aqui dentro é mais complicado mantermos o equilíbrio enquanto a esfera vai rolando. Ainda estamos longe dessa cidade que pretendes visitar. Se preferires, podes sentar-te, mas descansa, por favor. O mais importante é estarmos a salvo dos animais mais perigosos que lá fora varrem o fundo do mar.
A menina está imóvel quando começa a sentir uma brisa gelada levantar-se por cima dela e um redemoinho a puxá-la para baixo.
Uma aflição na garganta impede-a de gritar, e ela cai, cai, e cai, arrastada pelas águas que entraram do fundo da esfera que rodopia. A jovem jura ver algumas cabeças de pedra a mirá-la, invejosas, pois ela deixou de ser estátua como elas. A esfera é composta por estátuas, esta casa redonda onde se abrigam é uma escultura ajeitada com corpos feitos de pedra e forrados a coral. Por um breve instante o corpo da rapariga ganha de volta o seu peso em pedra e prepara-se para se fundir com as outras estátuas que ajudam o marinheiro a enfrentar e viajar pelas profundezas do oceano. Álvaro sente as estrelas do mar que lhe impedem a fluidez dos movimentos da perna e só a muito custo consegue enfrentar os movimentos mais bruscos da esfera. A bola prepara-se para lhe roubar a companhia. A jovem está agora mais próxima do teto do que do chão do grande globo pois ela vai acompanhando os movimentos giratórios desta esfera que a convoca.
O marinheiro está fraco mas sabe que tem de intervir. Torce-se e contorce-se, geme enquanto agita os braços no ar para a tentar alcançar. Metade do corpo da jovem voltou a transformar-se na mesma pedra em que fora esculpida.
- Acorda, reage, não te deixes transformar! – grita-lhe Álvaro enquanto a tenta agarrar. – Pensa no tempo que passaste transformada em pedra, pensa que és de carne e osso, pensa depressa para travares essa transformação! Pensa, pensa agora antes que as coisas voltem a ser como eram antes.
A rapariga tenta mas não consegue reagir. Não consegue. Tenta, mas já mal consegue escutar as palavras do amigo marinheiro.

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