Os vivos e os mortos ajudaram à ruína da casa onde
os pássaros aprenderam a pensar. As árvores que cercavam a propriedade tinham crescido
fortes e as terras, que se encontravam enxutas, quedaram-se mudas por debaixo
dos escombros.
Adelaide ainda fugiu a tempo de assistir a tudo.
Ficou sem saber o que fazer, com as mãos tombadas, interrogando-se:
- E se também eu tivesse caído como ela? Estaria bem
melhor, ali, entre os restos das suas paredes e telhados.
Álvaro não resistiu. A irmã sabia que ele tinha sido
o responsável pelo estranho acontecimento. Foi ele quem retorceu e moldou o ar
daquela casa, e o modificou, a cada
instante, através da doença que o fez sofrer. Lançou uma espécie de moléstia sobre
aquelas paredes que depois rangeram como o soalho, como os ossos e o medo, que
também tinha ossos e dentes e rangeu tal como os corpos, e sentiu tal como
gente.
Aquela sexta-feira tinha adormecido chuvosa. Álvaro vestiu
as suas melhores roupas, antes de se deitar, como se estivesse a preparar-se para
viajar. Corajoso, respirou fundo e olhou, com atenção, para a cama que o viu nascer.
As paredes velhas do quarto estremeceram várias vezes antes dele adormecer, com
a humidade infiltrada em todo o lado. Ele já não sentia o corpo, só aquele lugar
nas costas onde a dor o tolhia e toldava a alma com manchas sombrias. Queria sonhar
com o mar, uma última vez, escutar o som da água a correr no ribeiro, sentir novamente
o apelo das ondas do grande lago oceano onde se perdeu, tal como o pai e os irmãos.
Ele foi o único que conseguiu regressar, e nunca falou dessa vitória a ninguém,
muito menos á irmã Adelaide, apesar das suas muitas insistências. Apenas os montes
e os vales por onde continuou a vaguear, conhecem, com minúcia, os pormenores do
seu triunfo. O marinheiro também contou a sua ilustre façanha à magnólia que cresceu
na zona mais recôndita do quintal onde gostava de contemplar a paisagem.
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